quinta-feira, 7 de agosto de 2008


* Do presente inesperado *

Não, definitivamente ela não era a mademoiselle que a sua vó sonhara como futuro para uma menina tão engraçadinha.
Vivia com os joelhos encardidos, com os cabelos revoltos afogueados no rosto e uma coceirinha na nuca que não a deixava em paz. Ainda que acabasse de sair enrolada por toalhas felpudas do banho, tinha aquela "sarna-de-gente-limpa" (como sua mãe chamava) para lhe complicar a vida.
Passou a semana pensando no menininho loiro que andava de bicicleta nas redondezas. Não sabia o nome dele e nem se importava ainda com isso. Era uma criança e para ela sonhar que o nome dele era algo melodramático como "Carlos Augusto" a fazia sorrir. Passava as tardes inventando nomes compostos para seu pseudonamorado. Mas era feliz assim. E isso até então bastava.
Só que numa dessas tardes de sol a pino, acalorada que dava de presente uma centelha de suor em sua testa ela percebeu que não poderia continuar risonha sendo só. E chegou a essa conclusão quando o menino loiro passou rasgando a rua, em meio a uma gente monótona, sem graça, insossa. Levando consigo ervas daninhas arrancadas uma a uma do canteiro da vizinha. A menina de joelhos enxovalhados, no alto de seus nove anos de idade, percebeu que teria que casar com ele.
E naquela mesma semana começou a colocar em prática seus planos.
Pensou em pedir ao seu pai que comprasse uma camiseta tricolor ao menino. Sim, logo após ele iria agradecê-la, colocaria uma vivacidade absurda em seus olhos turmalina e diria: "Também te amo, meu amor". Finalmente, ela seria o amor de alguém. Seria o amor daquele menino loiro. Poxa, como ela estava feliz.
Mas Deus de vez em quando é meio esquisito. Ao menos foi isso que ela pensou quando o pai disse que a grana aquele mês estava curtíssima e que ela teria que esperar pela mesada de setembro. Era início de agosto e ela teria que esperar setembro. Era uma tristeza só. Agosto, mês do desgosto. O amor se tornava remoto, longínquo por vinte e poucos dias. Não, ela não poderia esperar tanto.
Foi quando teve aquela idéia mágica.
A menina ruiva era adepta de idéias.
(...Sempre inventou brincadeiras geniais em que apenas ela e sua sombra participavam. Não que ela fosse chata e que ninguém quisesse depositar um pouquinho de suas horas com ela, mas desde cedo ela aprendeu que não precisaria comprovar ao mundo, às meninas metidinhas de sua classe que era uma pessoa legal. Desistiu disso tudo um dia e resolveu brincar com sua própria imaginação).
E deve ser por isso que teve aquele rompante e correu para dentro da casa, revirou o armário e despejou tudo que havia dentro de uma caixinha velha onde ela costuamava guardar seus tesouros.
E com brocados, pedaços de cetim, papel de seda, fio de nylon, tinta com purpurina para tecido, pedaços de cartolina fatiados fez a coisa mais bonita que alguém poderia criar.
Foi dormir exausta. Realmente um início de romance desgastava quem ainda era inexperiente nessas terras fantásticas do amor.
No outro dia ficou desde cedo sentada na frente de sua casa, esperando ele passar.
Estava tão radiante e inexplicavelmente bonita com sua camisa branca nova, seus sapatinhos vermelhos que quando o menino se aproximou com a bicicleta parou de correr naquela habitual velocidade desmedida.
Ele parou.
Desceu da bicicleta e ficou vendo aquela miragem em sua frente. Como poderia ter passado por ali e nunca tinha reparado nela? No alto de seus oito anos e meio tinha uma pressa pra aproveitar a vida e não havia prestado atenção suficiente naquela menina ruiva.
Ela estendeu as duas mãos e entregou a ele uma caixinha azul com um grande laço branco.
Ele aceitou timidamente. Não tinha nada para retribuir aquela oferenda.
Rasgou o papel e não acreditou no que viu no fundo da caixa.
Perguntou ainda:
- É o teu?
A menina ruiva replicou:
- É o meu sim. E é pra ti.
Ele apertou contra o peito o coração de miudezas que havia sido confeccionado por ela.
Levantou a menina da ponta do muro e lhe deu um beijo estalado na bochecha direita.
E com a bicicleta sendo levada com o braço esquerdo, o menino loiro recostou o seu braço direito inteirinho nas costas da menina ruiva. E saíram juntos por aí.
(E dizem que desde aquele instante só deu pra se escutar um par de órgãos encarnados pulsando juntos para o todo sempre).

PS: Para ti que tens estes fios loiros em que gosto de me perder.

6 comentários:

T disse...

Ai que coisa mais linda *____*

E não sei se é coincidêcia ou não, mas estou esperando setembro chegar *-*

Que a menininha ruiva e o menininho loiro sejam muito felizes!

Babi disse...

Um arranjo cheio de flores e corações para vocês. Adorei o texto, adorei os detalhes e a delicadeza também!
Beijinhos!

Unknown disse...

Ai Natália..... mas que texto mais gostoso de se ler!!! Que palavras doces, delicadas e iluminadas que tu colocastes neste texto. E que bom saber que desde então, estas pessoinhas estão vivendo ( e muito bem ) seu amor de infância.
Adoro, vcs! Muito.
Ah! E eu tbm estou aguardando setembro, sabia? Além dos meus 26 aninhos, "o casal mais querido de Guaíba" (sendo tu mesma) completa 2 anos de amor. Bom né?

Beijos, linda.

Anônimo disse...

Natália visito seu blog faz um tempo já, mas agora estou despedaçada. Queria i o tempo passasse rápido, que setembro chegasse logo. Perdi o amor da minha vida, sei que ele me ama muito, mas perdi. Agora só o tempo poderá fazê-lo enxergar que me ama....estou desesperada e suas palvaras me acalmam. Obrigada!

Arthur Brito disse...

um dos mais lindos que já escreveste.

Anônimo disse...

Oi, meu amor.

lindo o texto, minha vida!
ainda bem que eu parei a minha bicicleta a tempo :)
beijos, te amo!